Estados perdem receita de taxa sobre herança e bens no exterior após Reforma Tributária
Por: Hyndara Freitas
Fonte: O Globo
Um vácuo legislativo após a Reforma Tributária tem o condão de reduzir a
arrecadação de estados com heranças e doações de bens vindos do exterior.
Herdeiros e beneficiários têm conseguido na Justiça se livrar do Imposto de
Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), especificamente sobre a
transferência de bens de outro país para o Brasil.
Em São Paulo, há várias decisões recentes suspendendo a cobrança do imposto
sobre quantias que chegam a bilhões de reais, mas o GLOBO também
identificou sentenças semelhantes em outros estados, como Minas Gerais, Rio
de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Um dos casos envolve a família dona do Banco Safra. Alberto Joseph Safra, um
dos herdeiros, recebeu mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,3 bilhões) da mãe, Vicky
Safra, que vive na Suíça. Ao chegar no Brasil, esse valor seria passível de
tributação pelo ITCMD, mas Alberto foi à Justiça de maneira preventiva, e o
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), há três semanas, determinou que o
imposto não seja cobrado.
Isso porque o estado de São Paulo, onde o beneficiário da doação vive, não tem
uma lei válida sobre o tema, segundo entendimento do tribunal.
Em outro caso, julgado em junho, a 3ª Câmara de Direito Público do TJ-SP
definiu que uma doação de € 400 mil (R$ 2,5 milhões) de um pai que vive em
Portugal ao filho morador de São Paulo também não seria passível de tributação
pelo ITCMD por conta de “ausência de previsão legal”.
Imbróglio vem de 2021
Casos como estes se acumulam no Judiciário paulista. O imbróglio começou
em 2021, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais
trechos da lei paulista que previa o ITCMD quando o doador do bem ou a
pessoa que morreu (de quem seria herdado o patrimônio) residia ou tinha
domicílio no exterior.
Na ocasião, a Corte derrubou a lei porque a Constituição determinava que o
imposto sobre bens e heranças constituídas fora do país só poderia ser
instituído por lei complementar federal. Leis semelhantes de Paraná, Tocantins,
Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Pará e Rio de Janeiro
caíram pela mesma razão.
Em 2023, a Emenda Constitucional 132, que instituiu a Reforma Tributária,
retirou essa previsão de lei complementar federal, ou seja, os estados passaram
a poder instituir esse tributo livremente. Entretanto uma brecha legal ficou na
validade das leis que já foram consideradas inconstitucionais pelo STF, o que
foi reconhecido pela Corte no fim de setembro.
O entendimento do Fisco de alguns estados vem sendo o de que as leis
invalidadas pelo STF voltariam a valer automaticamente sem a obrigatoriedade
da lei complementar federal, mas a Justiça não tem entendido assim. Segundo
tributaristas ouvidos pelo GLOBO, não há como uma lei já declarada
inconstitucional voltar a valer. Sem aprovar uma nova lei, estados estão sujeitos
à perda dessa arrecadação.
— O Supremo declarou inconstitucionais todas as leis estaduais que tratavam
de tributação de bens e herança no exterior sem lei complementar. Aí veio a
emenda constitucional da Reforma Tributária, que tirou a obrigação, mas não
tem como ressuscitar uma lei já invalidada. A lei que nasce inconstitucional não
pode ser convalidada — opina André Mendes Moreira, professor da Faculdade
de Direito da USP.